quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Sabonetes - Marca Página


Você disse:

- Olá. Posso pegar esta cadeira? - Sem querer ou muito se importar e eu fiz que sim com a cabeça, tomando um gole do meu café de sempre, tentando não parecer afetada pelo seu tom de voz grave ou pelo sanduíche de presunto que você pegou na minha frente porque furou a fila. 

E eu poderia passar o resto da minha vida contando os fios sem corte da sua barba falha, e manchando seus óculos só de acinte, e segurando suas mãos sujas de tinta de caneta Bic prestes a papocar. 

Porque você fica aí com esse seu charme de menino perdido e seu tom de desgosto como quem já apanhou muito da vida, sentado à mesa mais escura daqui, escrevendo nesse bloquinho avulso como se mudasse o mundo e eu me derreto com o leve desespero que te toma conta quando cai uma gota de suco de cajá nele, apagando algum pedaço dos seus parágrafos de tinta que eu arrancaria minha orelha esquerda fora pra poder ler.

Ai rapaz, tu não sabe da missa a metade, mas também, com essa cara de sabe-tudo, provavelmente é ateu e nem sonha que eu comecei a acreditar que tem um deus por aí só depois que vi você. E nem imagina que eu venho nesta porra dessa padaria, todo santo dia, só pra te olhar sendo lindo com essas meias roxas, com esse enfado eterno e esse cabelo de toim-oim-oim de onde vem o cheiro de chiclete quando me dá "bom dia" e eu sorrio esperando um sorriso em troca.

Mais cedo ou mais tarde, quem sabe? Chegue você aqui, um buquê de esperanças numa mão e na outra aquele meu chapéu bonito que eu vou esquecer na sua casa. Porque tá na minha lista ir lá na sua casa e perguntar se eu posso pegar uma cadeira, uma xícara de açúcar, uma página desse seu bloquinho ou você - na torcida de que você prefira morenas. 

Quem sabe vem você e me aparece aqui qualquer dia, e me beija na surpresa de pedir um café pra nós dois, dizendo as mil e três coisas do seu dia cansado, do dentista da esquina e do conto novo que escreveu pra mim, sem esquecer de falar o quanto meus olhos são doces. Uma iludida ainda pode sonhar nessa vida, não pode?

Quem sabe eu finalmente crio coragem e digo o tanto que seu suco de cajá e a meia roxa me encanta, o tanto que seus rascunhos no escuro me encantam, o tanto que esse seu jeito calado de aparecer me espanta, e o tanto que me encanta e espanta o muito que eu amo você. Amo sim, e daí? Quem é você pra me dizer que não é? O amor nunca é rápido demais, as pessoas que inventaram esse mal-costume de se darem conta tarde.

Quem sabe meu rapaz, você me diz uma hora dessas, qual o sentido da vida pra alguém que nem eu, que leva a vida na espera de um sorriso de volta, seu.

Link para a música: http://migre.me/5E8d3 Sabonetes - Marca Página

Um comentário:

Natália disse...

"Quem sabe meu rapaz, você me diz uma hora dessas, qual o sentido da vida pra alguém que nem eu, que leva a vida na espera de um sorriso de volta, seu."

Eu amo seus textos, de verdade!