quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Beirut - A Candle's Fire



Tinha um velho tocando o resto de sanfona que sobrou da noite passada no canto da esquina, um poste com a luz queima-não-queima e uma banca de flores, madrugando quieta, no domingo do outro lado da rua. Em passos meio tronchos, com a gravata num nó ainda mais troncho, o rapaz, sem sorrir, foi passando. Uma moça muito bonita, de vestido amarelo e maquiagem borrada, vinha do outro lado, com os cabelos bagunçados e os sapatos na mão. 

Ela resolveu sentar no meio-fio da calçada pra sujar de uma vez o vestido, respirar dois minutos e ver se engolia o choro tomando o resto de vódega da garrafa que trazia na outra mão. Ele sem pensar em nada, olhou pro velho sanfoneiro na esquina, tocando os restos de acordes soltos de fim-de-carreira, arrumou o nó da gravata e sorriu um triste e torto sorriso pra moça.

Cambaleou um pouco até conseguir levantá-la, segurou a mão dela e puxou pra dançar os passos meio-bêbados ao som daquela música que ninguém sabe o nome ou a letra mas todo mundo sabe qual é. A moça riu enxugando os olhos borrados daquela dor que não passava nem com Gelol, e foi trupicar com ele pela rua que ninguém sabia se o que iluminava era o sol nascendo ou se era a saia do vestido amarelo rodando tonta. 

- Chora não, menina. - O rapaz falou depois de uma meia-hora e tomou um generoso gole quando ela lhe ofereceu a garrafa. - Ele volta. 

- E se não voltar? Se ele não voltar mais nunca? 

- Se ele não voltar, eu fico. E fico pra sempre aqui do seu lado, dançando garrado enquanto amanhece. 

- E se ele voltar? 

- Se ele voltar, eu brigo, eu bato. Porque só um louco deixaria um par de olhos verdes lindos desses, no meio da rua numa madrugada qualquer. 

Eles pararam de dançar. Continuaram de mãos dadas. O velho da sanfona não parou, o poste apagou de vez. 

- Periga um bêbado esquisito com um coração partido, parar e se perder nesses olhos verdes lindos e até criar coragem de chamá-los pra dançar. 

- E se eu resolver ficar? 

O rapaz andou até a banca de flores dormidas e roubou uma da cor do vestido dela. 

- Se você ficar, eu me apaixono. 

- Só tem um problema. - A moça disse, voltando a calçar as sandálias, segurando a flor amarela e ouvindo a música parar. 

- Qual? 

- Se você se apaixona, quem foge sou eu. Tenha um bom dia.

Ela tomou o último gole da garrafa, beijou o rosto dele, depositou a flor no decote e seguiu seu caminho, deixando pra trás o rapaz. Com a barba e o coração por-fazer.

Link para a música: http://abre.ai/aQ0 Beirut - A Candle's Fire

7 comentários:

@EmanuelDavid_ disse...

De iludida a moça bêbada não tem nada. Bendita vodka. Parabéns, Luíza. :)

Natália disse...

E essa sua fixação por gelol hein menina Luiza?

Isabella disse...

Perfeito Luiza, muito amor nesse texto <3

Anônimo disse...

Com o coração e a barba por-fazer (L

Magna Eugênia disse...

Adoreeeeeei! "Se vc se apaixona quem foge sou eu" fechou de cadeado e jogou a chave fora.

@tomazpereira_ disse...

Meu favorito até agora. parabéns Luíza :)

Anônimo disse...

Perfeito *-*