quarta-feira, 4 de maio de 2011

Los Hermanos - Último Romance


Ela era linda. 

É clichê, eu sei, mas ela era. Eu não sei se era o traçado doce da ponta empinada do nariz dela, se era a delicadeza da mão esquerda segurando a asa da xícara de café, ou se era o sorriso - nunca o mesmo, mas sempre alí. Agora me diz: Quem nessa vida sorri todo dia às seis da manhã pra estranhos da fila na padaria da esquina? Só ela, meu Deus. Só ela. 

E nessa estou eu, cá num canto a vida toda, sem nunca criar coragem pra perguntar nome, telefone, ou se ela queria casar comigo. Ganhando, todo santo dia, um sorriso que nem era pra mim - eu só fazia parte da paisagem. 

Mas se você me perguntasse eu saberia responder tudo sobre ela. Tudo menos o nome, telefone, ou se ela queria casar comigo. 

No anelar da mão direita lhe havia um bronze longinquo e certa cintura que acorrentava a lembrança provável de um noivado de muito tempo. E depois disso nunca tomou café com o mesmo cara mais que duas vezes, e não havia um dia que não tomasse café. 

Gostava de poesia água com açúcar e romances policiais, conversava com uma menininha que mora no fim da rua sobre os desenhos da tv. Espirrava quando chovia sem aviso e ela tinha esquecido o guarda-chuva xadrez e falava com alguém no balcão sobre seu peixinho dourado. Lambia os beiços quando olhava os doces cheios de cerejas, mas sempre evitava quando o padeiro os oferecia. Dava como desculpa o horário. Era sempre cedo demais para alimentar lombrigas. 

Quando estava alegre, vinha com o cabelo solto e os cachos indo até depois do meio das costas, pedia um café quente  com muito açúcar e dava bom-dia primeiro. Quando entediada com a vida, vinha numa trança meio torta, com bocejos demais escondidos no pedido de um café puro, morno e sem açúcar nem vontade. Mas era triste que ela era mais linda, sem maquiagem nenhuma nos olhos vagos de quem não dormiu nada, vinha com o cabelo num rabo-de-cavalo deixando os cachos derramados aos poucos, bem como as gotas de café-com-leite que pedia doce de Nescau, lendo os quadrinhos do jornal de ontem, bebendo em câmera lenta sem se valer do meu universo que muito se regia ao seu redor. Eu a amava calado e ela sorrindo, sempre com o mesmo arranjo azul no cabelo. 

E era imensa minha vontade de gritar "Eu não sou café-com-leite, beleza? Eu tô valendo, eu tô aqui!". Louco pra perguntar pra ela ou pra qualquer um que me passasse alí por perto, o seu nome, telefone, ou se ela queria casar comigo. Porque essas três perguntas nem no meu peito mais cabiam. E tudo o que eu falei quando esbarrei nela na saída: 

"Desculpe, moça. Tenha um bom dia."


Link para a música: http://migre.me/4rD4p Los Hermanos - Último Romance

Um comentário:

Larissa Nascimento disse...

Lu,

Ler esse texto aperta meu coração inteiro de um jeito... ai que vontade de chorar :'(

Mas anyway, lindo!